GOIANA -
BRASIL
“Ciudad de
Goiana, Brasil, septiembre de 1987: dos junta
papeles encuentran un tubo de metal
tirado en un terreno baldío, lo rompen a martillazos, descubren una piedra de
luz azul. La piedra mágica transpira luz, azulea el aire y da fulgor a todo lo
que toca.
Los
junta
papeles parten esa piedra o bicho de luz y regalan los pedacitos a sus
vecinos. Quien se frota la piel, brilla en la noche. Todo el barrio es una
lámpara. El pobrerío, súbitamente rico de luz, está de fiesta.
Al día
siguiente, los junta
papeles vomitan. Han comido mango con coco: ha de ser por
eso. Pero todo el barrio vomita, y todos se hinchan, y un fuego de adentro les
quema el cuerpo. La luz devora, y mutila y mata; y se disemina llevada por el
viento y la lluvia y las moscas y los pájaros.
Fue la
mayor catástrofe nuclear de la historia, después de Chernobyl. Muchos murieron,
quién sabe cuántos, muchos más quedaron por siempre jodidos. En aquel barrio de
los suburbios de Goiana nadie sabía qué significaba la palabra radiactividad y
nadie había oído jamás hablar del cesio-137...”
VÍTIMAS DO
CÉSIO ESTÃO PERDENDO DIREITOS E CAINDO NO ESQUECIMENTO
As vítimas da tragédia
ocorrida em setembro de 1987 em Goiânia, depois que uma cápsula de Césio-137 foi
inexplicavelmente “abandonada” nos escombros do Instituto Goiano de
Radioterapia, carregada para uma oficina de sucatas e desmontada, e teve os
fragmentos do material radiativo distribuídos entre dezenas de pessoas,
inclusive crianças, estão, aos poucos, caindo no esquecimento. Mas este não é um
esquecimento qualquer: é, sim, o esquecimento da dignidade, do senso comum de
justiça e da verdadeira história que as autoridades brasileiras encobriram a
respeito das dimensões e responsabilidades pelo ocorrido.
Enquanto concedia
entrevista à Ecoagência, no último sábado, na sede da Associação Médica do Rio
Grande do Sul (Amrigs), em Porto Alegre, o ex-motorista de ônibus Oderson Alves
Ferreira, 47 anos, recém havia sido avisado por sua mulher, por telefone, de
Goiânia, que o direito à condução gratuita do hospital para casa e vice-versa,
para menores de cinco anos e idosos seqüelados pelo Césio, estava sendo extinto.
Poucos meses antes, em outubro, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) havia
cortado parcialmente o fornecimento de medicamentos especiais para essas
pessoas. “Quem recebia duas caixas de medicamento por mês, passou a receber
apenas uma”, explicou.
O descaso das autoridades,
no entanto, não é a maior mágoa de Oderson. Ele se ressente muito mais da
discriminação por que passou e ainda passa na cidade. Sua casa e todos os seus
pertences viraram lixo radiativo. Seus animais – pássaros, cães, porcos –
morreram ou foram sacrificados. Sua família chegou a ser apedrejada por vizinhos
depois que eles souberam do acidente. A Polícia teve que escoltá-los para
possibilitar a mudança. Emprego ele não tem desde que foi tachado de
radioacidentado, aos 32 anos. “Tenho uma área de uns 42 metros quadrados na
minha casa, onde já coloquei bar, mas ninguém freqüentava. Depois mudei para uma
fruteira, mas foi a mesma coisa. Fiz curso de costura, tenho máquinas, sou
costureiro profissional, eu e minha mulher, mas também isso não deu certo. O que
mais me revolta é que nos tiraram o direito de trabalhar, de sermos produtivos.
Hoje eu me sinto um parasita”, desabafou.
Irmão de Devair Ferreira,
dono da oficina mecânica onde a peça de Césio foi desmontada, e pai da menina
Leide Alves Ferreira, uma das primeiras vítimas fatais do acidente, que morreu
aos seis anos, depois de ingerir fragmentos radiativos, Oderson lembra que sua
vida “teve uma reviravolta”, mas para pior, desde que o pesadelo começou,
naquele setembro de 1987. Ele teve contato direto com o Césio por menos de dois
minutos. Foi o tempo que levou para receber um pequeno fragmento do irmão, que
mostrava para todos aquela “coisa muito bonita, que irradiava uma luz azul”,
colocá-lo na palma da mão esquerda e friccioná-lo com o indicador da mão
direita. Só nesse ínterim, Oderson absorveu 100 rads de radiação,
surpreendentemente, muito mais que um ser humano poderia suportar. Então passou
por um processo lento de formação de bolhas e feridas, que só notou oito dias
depois.
“Tinha gente que vomitava,
apresentava coceiras no corpo. Mas eu não senti nada, trabalhei ainda até o dia
30 de setembro daquele ano, carregando umas mil pessoas por dia, entre Aparecida
e Goiânia”, contou. Além de passageiros, Oderson contaminou, involuntariamente,
todo o pessoal de sua casa: “Na minha família, foram 30 pessoas atingidas
diretamente”. Problemas genéticos: agora vem o pico.
De acordo com cientistas,
o pico dos efeitos da radiatividade, na genética humana, começa a aparecer cerca
de 15 anos após a exposição. Em setembro de 2002, fez exatamente 15 anos do
acidente de Goiânia. Para a família de Oderson, contudo, os danos às futuras
gerações já estão aparecendo. “Tenho uma filha de 16 anos (ela tinha seis meses
na época do acidente) que não pode fazer Educação Física no colégio, porque seus
ossos doem terrivelmente. Tenho uma netinha que nasceu com peso e estatura
abaixo do normal, e um outro que nasceu com um pezinho e uma mão dormentes”,
relatou.
Problemas de osteoporose,
conforme Oderson, são comuns em radioacidentados – homens ou mulheres – bastante
jovens. A hipertensão é outro sintoma comum ente essas vítimas. “A radiação não
tem uma doença específica, mas, infelizmente, ela agrava todas as outras
doenças. Ou seja, um simples resfriado em você, em mim seria uma gripe
terrível”, observou. Pior mesmo, segundo ele, é a depressão e o isolamento por
que passam as vítimas. “A maioria dos jovens daquela época caiu nas drogas ou na
bebida. Muitas meninas engravidaram muito cedo, com 12, 14 anos. Não há como
você reunir as pessoas acidentadas porque elas mesmas se discriminam. Eu mesmo,
estou aqui falando com você, mas não sei o que você pode estar pensando. Sempre
fica essa sensação de insegurança em relação aos outros”, reconheceu.
A falta de apoio se
intensificou depois da extinção da Fundação Leide das Neves (Funleide), criada
meses depois do acidente para aproximar as vítimas do Césio e dar-lhes
assistência médica até a terceira geração. “O objetivo era fazer um
acompanhamento sistemático das condições de saúde dessas pessoas, com a
realização de exames periódicos. Só que o governo do Estado de Goiás extinguiu a
fundação em 1999. Segundo eles, a Funleide tinha que ser extinta por causa de
uma reforma administrativa. Com isso, criaram a Superintendência Leide das
Neves, mas sabemos que ela é muito mais frágil, é apenas um apêndice”,
esclareceu. Atualmente, o que sobrou dessa instituição é um assistencialismo,
com a concessão de pensões que vão de R$ 130 a R$ 800. “Não sabemos explicar por
que uns recebem mais, outros menos. Eles dizem que é conforme o tipo de seqüela,
mais ou menos incapacitante para o trabalho”, afirmou Oderson.
CNEN mentiu para o povo
e para funcionários públicos
Mentira e ignorância. Esta
dupla foi o pano de fundo das ações das autoridades, especialmente as da
Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), logo depois do acidente com o
Césio-137. O promotor Marcus Antônio Ferreira Alves, da promotoria de Defesa do
Cidadão de Goiânia, passou a receber denúncias de soldados que foram recrutados
para trabalhar na demolição das casas de pessoas atingidas pela radiatividade.
Muitas delas adoeceram e morreram logo. Outras, como Devair, morreram em
profunda depressão – no caso dele, a morte da sobrinha Leide e da esposa, a
sensação falsa de culpa, a rejeição e o abandono foram a receita para a recaída
no álcool. Devair morreu de cirrose em 1995. Houve ainda centenas de pessoas que
passaram meses a fio no hospital para “descontaminação”, como foi o caso de
Oderson.
Pior que a ignorância – o
próprio ex-presidente da CNEN, Rex Nazaré, aparecia em público, pedindo ajuda da
Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) –, o que fulminou muitas pessoas
foi a má fé. Segundo Ferreira Alves, a CNEN utilizou muitos “falsos técnicos”
nos trabalhos de limpeza, dando a entender que eles eram físicos ou
especialistas em radiação. Além disto, bombeiros e funcionários da Defesa Civil
foram acionados para trabalhar na demolição e retirada dos rejeitos tendo sido
informados de que se tratava de um acidente com gás liquefeito de petróleo
(GLP). “A CNEN recrutou trabalhadores braçais do setor público para trabalhar
nessas atividades, alguns deles eram de canteiros de obras da cidade. Havia pelo
menos uns 120 homens da construtora Andrade Gutierrez”, assinalou o promotor. De
acordo com ele, muitas dessas pessoas foram escondidas e não receberam
acompanhamento médico. Pelo menos duas delas – soldados da Brigada Militar –
tiveram tumores cerebrais depois de trabalhar nas operações de limpeza, foram
aposentados, mas não tiveram promoção de patente, como costuma acontecer em
casos de aposentadoria por invalidez ou doença, no meio militar.
Os testemunhos do que
ocorreu com os dois soldados estão gravados em filme-documentário realizado com
depoimentos das próprias vítimas pelo jornalista Weber Borges e pelo cineasta
Luiz Eduardo Jorge, que agora prepara um longa-metragem e busca apoio para esse
projeto. Uma outra vítima da radiação é o cineasta Roberto Pires, que gravou o
filme Césio-137, O Pesadelo de Goiânia, com atores como Joana Fomm e Stephan
Nercesian, entre outros. Pires morreu de câncer em 2001. Muitos jornalistas
também ficaram doentes por causa da exposição ao investigarem e cobrirem o caso.
Experiência jogada fora
Além de se sentirem
cobaias humanas, as vítimas do Césio acreditam que o evento não serviu para
qualquer aprendizado por parte das autoridades. “Aquilo que aconteceu em Goiânia
poderá acontecer a qualquer momento em qualquer outro lugar no Brasil. Nós
percebemos que as autoridades não tiraram proveito da situação, não aprenderam
nada com o acidente. Os médicos não aprenderam nada, pois não foi feito qualquer
tipo de pesquisa. Se você perguntar aos médicos que trabalharam conosco nesses
15 anos o que a radiação pode fazer ao ser humano, eles não saberão responder
porque não foi feito nenhum tipo de estudo. Eles não fizeram o acompanhamento
comparativo entre as doenças que a população tem e que a população
radioacidentada apresenta. Só agora é que estão pensando em fazer uma pesquisa
desse tipo, mas já se perdeu muito da chance de encontrar nexo de causa e efeito
entre a exposição e as doenças”, destacou Oderson. De acordo com ele, houve não
200 a 400 vítimas, como relatam dados oficiais, mas pelo menos uns 1,5 mil
contaminados, segundo registros da Promotoria Pública de Goiânia.
Energia nuclear: uma
caixa-preta
O uso da energia nuclear
no Brasil, conforme o promotor Marcus Ferreira Alves, ainda é uma caixa-preta.
Ele garante que existem estudos realizados na ex-URSS com vítimas de
radiatividade até a sexta geração, mas essas pesquisas estão em Cuba e não são
divulgadas. “O meio militar está encobrindo o uso desse tipo de energia e ainda
há forte lobby no Congresso para que essa questão não seja mais discutida pela
população”, atestou. O promotor ressaltou que as autoridades vêm sendo cobradas
quanto a essa questão, mas desconversam. No ano passado, segundo ele, repórteres
indagaram ao candidato José Serra sobre a sua atitude em relação às vítimas do
Césio. “Soubemos que, devido a essa pressão, o comitê eleitoral desse então
candidato chegou a montar uma oficina para discutir o assunto, mas tudo acabou
depois das eleições”, lamentou.
A imprensa, apesar de ter
um papel fundamental para não deixar que o caso do Césio-137 seja apenas uma
página dolorosa da história ambiental e humana do Brasil, também poderia
corrigir algumas de suas atitudes. Conforme Oderson, “não há o que criticar na
ação da imprensa, a não ser que ela, muitas vezes, acredita mais nas autoridades
do que nas vítimas, ou seja, tudo o que dissemos é depois desdito ou amenizado
por autoridades, e, no final, vale mais a versão delas”.
Cláudia Viegas,
claudia@ecoagencia.com.br- ©EcoAgência de Notícias, janeiro 2003 -
http://www.ecoagencia.com.br.
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